Há Baixa termina intervenção em Coimbra a pensar na próxima edição

Colectivo de estudantes universitários termina esta semana obras em vários espaços da Baixa da cidade.

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Adriano Miranda
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Nas últimas duas semanas, o Largo do Romal foi um estaleiro. O espaço da Baixa de Coimbra serviu como centro de gravidade da intervenção dinamizada pelo colectivo Há Baixa em dois estabelecimentos comerciais, numa habitação e na cozinha económica. De fora do plano inicial do projecto criado por estudantes de Arquitectura, Design e Multimédia da Universidade de Coimbra (UC) ficou a tasca do senhor Norberto, que mudou de proprietário.

Ao longo de quinze dias, o largo foi sendo povoado pelos 26 voluntários e pelos membros do colectivo, todos estudantes universitários, que por ali trabalharam com sacos de cimento, peças de andaimes, madeira e maquinaria. 

Mas a intervenção não se fez só do trabalho dos voluntários ou da ajuda dos formadores contactados para o efeito. Rui Cardoso, estudante de Arquitectura e membro do colectivo, conta que a população da Baixa de Coimbra também se envolveu, tal como era o objectivo da iniciativa. “Senhores que trabalharam ou trabalham na construção civil vão passando a dar palpites”, dizia ainda no início da segunda semana de trabalhos, ao lembrar o caso do estucador desde os 14 anos que parou para dar instruções.

Para além dos períodos em que os trabalhos tiveram que ser suspensos por causa do calor (por estes dias, o termómetro chegou aos 36 graus em Coimbra), um dos principais obstáculos ao longo dos trabalhos foi mesmo a falta de maquinaria. Alojamento, comida, voluntários, tudo se arranjou; “ferramentas foi mais complicado”, conta Rui Cardoso.

Com a porta virada para o largo e uma área exígua, o atelier de costura de Glória Vilão foi um dos espaços alvo de remodelação. A "Dona Glória", como lhe chamam os estudantes, começou numa alfaiataria aos 13 anos, mas o seu percurso profissional pode ser contado através da história da indústria têxtil de Coimbra. Foi passando por fábricas que foram encerrando até que, há dez anos, encontrou o seu canto no Largo do Romal, onde abriu o negócio e pôde finalmente “cumprir o sonho de trabalhar por conta própria”.

Com 50 anos de serviço, até já tinha equacionado a reforma. “Estava para me vir embora, tinha pensado em reformar-me e vir para casa, mas agora não”, conta. Trabalho não lhe falta, apesar de dizer que pelo Largo do Romal passam mais turistas curiosos do que habitantes de Coimbra, e vai agora ficar com outras condições para receber os clientes.

A dois minutos dali, no nº 7 do Terreiro do Mendonça, tem primeiro que se passar por uma campainha e consequente identificação para se ter acesso às obras no jardim da cozinha económica. Lá dentro, o movimento de caixas com alimentos para um lado contrasta com o transporte dos lancis que vão sendo colocados na disposição projectada.

Também do colectivo Há Baixa, Carlos Fraga explica que o trabalho dos voluntários passa por cortar peças de madeira, por assentar o soalho e azulejos, entre outras tarefas, mas acrescenta que não há quem passe a oportunidade de mexer com a maquinaria mais pesada. “Quando o martelo pneumático esteve em funcionamento, toda a gente quis descascar um bocado de parede”.

Ana Baía, também estudante de Arquitectura, é uma das 26 voluntárias. Enquanto assenta azulejos num dos muretes do jardim, conta que se inscreveu para “ajudar os colegas”, mas também para “poder aplicar o que aprendeu na faculdade ao longo do ano”, nomeadamente em estruturas de madeira.

A assentar os azulejos na parede oposta à da colega, Sofia Gomes diz que o que “tem mais piada é as pessoas da Baixa a querer envolver-se” nos trabalhos. Apesar de, quando a intervenção arrancou, o período de exames e entrega de trabalhos para a faculdade ainda não ter terminado, Sofia diz que “há tempo para tudo”.

O maior desafio

Na casa onde Jorge Conceição vive com a mãe, o colectivo deparou-se com a intervenção mais complexa. A mãe vive no mesmo prédio onde já teve uma tabacaria há 59 anos, na Rua da Louça, à qual se juntou mais recentemente o filho. Com 64 anos e desempregado há cinco, Jorge Conceição faz parte da franja da população “demasiado nova para ir para a reforma e demasiado velho para arranjar emprego”.

Os estudantes chegaram àquele apartamento por intermédio da cozinha económica. Sem hipótese de fazer obras por meios próprios, a remodelação da cozinha já é uma ajuda, reconhece. Para além de ter apenas uma cortina a separar a casa de banho do resto da divisão, o tecto da cozinha “tinha barrigas causadas pela humidade”.

Numa divisão onde visivelmente faltam várias camadas para que o tecto e as paredes a tornem pronta a habitar, Jorge Tomo Jr., também do Há Baixa, diz ao PÚBLICO que aquela obra é uma “espécie de ovo kinder”. A metáfora explica-se por si mesma, quando o estudante conta que, para além de terem tido que refazer o sistema de esgotos, depois de terem removido os mosaicos de uma parede, descobriram que esta estava podre. Ou quando perceberam que, no sítio onde tinham planeado abrir uma porta, tal não foi possível por lá se encontrar uma trave. No tecto, entre o tabique e as madres, encontraram de tudo: pedaços de loiça e de tecido, jornais e revistas...

A primeira edição do Há Baixa só termina esta terça-feira, dois dias depois do previsto. Como qualquer empreitada, a obra sofreu atrasos que Rui Cardoso explica com “alguma inexperiência no cálculo” da demora de algumas tarefas. Mas o colectivo aponta já para uma próxima intervenção, que deve acontecer ainda este ano ou no próximo, por esta altura. É preciso “escolher novos espaços, estudá-los, fazer projectos, arranjar materiais”, enumera o estudante para justificar a indefinição de uma segunda intervenção que depende também de apoios e de parceiros.

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